quinta-feira, outubro 23, 2014

POR TUDO, POR NADA.



Chorava por tudo e sobretudo por nada, quando a vida estava boa e quando estava lixada. Quase da mesma forma como nos queixamos do clima: ora porque está sol, ora porque está neblina.

Chorar faz bem à alma. – dizia sua mãe, a bondade em pessoa, com alguma comiseração.
Chorar é para maricas. – dizia seu pai, no seu tom autoritário, sem nenhuma consideração.

Desde sempre fora assim: menino choramingão; rapaz de lágrima fácil; homem sensível. E não é que às vezes dava um jeitaço! Já outras... era terrível. 
Havia mulheres que, por isso, o achavam encantador. Outras porém, como Clarice ­- o seu grande amor (platónico, diga-­se) – achavam que não era normal tanta choraminguice; alguma disfuncionalidade deveria existir, então não seria normal, neste tipo de coisas, o homem fingir? Toda a gente sabe que os homens escondem aquilo que sentem e que são traidores e que mentem.
Já no mundo masculino, um mundo bem mais pragmático, era tido como bera, mas que quando bem-disposto vê-­lo chorar de rir era uma risota, lá isso era.

Difícil viver-­se assim ­- a luta uma constante: uma cabeça, completamente no sítio, prática que só visto, que dizia que não podia chorar; um coração, enorme de nascença, lamurioso por
contingência, teimoso em a contrariar – mas... enfim, as lágrimas procuravam liberdade, não se seguravam nas pálpebras superiores, tinham vida própria, não faziam favores. E rolavam, rebolavam, muitas vezes em catadupa, outras de uma forma menos abrupta, docemente até, na face deste homem que teimava em chorar, por tudo e por nada, e que não conseguia, ele próprio, perceber aquilo que é: um homem de lágrima fácil? um menino sensível? um rapaz choramingão?; vá lá saber-­se a resposta a tão difícil questão.

quinta-feira, outubro 16, 2014

UM PEQUENO MILAGRE


Naquela manhã, Leonor acordara agitada. Há muito que esperava por uma oportunidade de emprego e esta entrevista, que o seu grande amigo de sempre – Manuel – lhe havia arranjado, não podia ter chegado em melhor hora: estava falida.

Saiu de casa apressada com apenas um copo de leite no estômago; não queria, de maneira nenhuma, chegar atrasada e, a bem da verdade, nem que quisesse, não tinha forma de tomar um pequeno-almoço mais nutritivo.

Foi durante a sua corrida para o metro, já bem perto da estação, que os seus olhos se cruzaram com um envelope vermelho, perdido no chão. Baixou-se, apanhou-o e meteu-o na mala. Foi já dentro do metro que o examinou. Não tinha: nem remetente, nem destinatário; mas estava bem fechado, apesar do volume. Pensou se deveria abri-lo ou não. Se por um lado achava que não o devia abrir, porque não era para si, por outro pensava que se não o abrisse não saberia o que fazer com ele. Resolveu abri-lo: um maço de notas de 10€, praticamente novas, acompanhadas de um bilhete: faça bom uso dele. Contou-o: 50 notas – 500€! Será que o tinham perdido? Será que o tinham deixado cair de propósito? Sorriu e voltou a guardá-lo.

A entrevista correra bem: tinha conseguido o emprego. Leonor estava feliz. Ao fim de três anos e meio no desemprego voltaria à vida activa. E com um bónus: o valor do salário era muito superior ao que estava à espera. Decidiu passar no trabalho de Manuel; queria agradecer-lhe.

Manuel ficou feliz por Leonor que sabia estar a precisar, desesperadamente, de um trabalho. Mas foi quando Leonor lhe entregou na mão um envelope vermelho, que os seus olhos lacrimejaram. Para comprares o adaptador de alimentação que a tua Joana tanto precisa. – disse-lhe, no meio de um abraço apertado.